Nenê Constantino

Ele é um self-made man. Mas, se alguém chamá-lo disso, não vai entender. Ou vai fingir que não entende. Constantino de Oliveira, o Nenê Constantino, não é homem de palavras complicadas. Quando menino, ajudava na lavoura do pai, sitiante na cidade mineira de Patrocínio, e vendia verduras na rua. Cedo, descobriu que seu negócio era outro: não gostava de vender, queria mesmo era comprar. Aos 18 anos, adquiriu o primeiro caminhão, com seu nome caprichosamente pintado na boléia e um ditado enigmático no pára-choque: "Da vida só levarei ela". A partir daí, não parou mais.



O caminhão virou uma jardineira, que virou um ônibus, que virou três. Hoje, são 6.000. O empresário é dono da maior frota do país, uma das maiores do mundo. Espalhados por sete Estados, mais o Distrito Federal, os ônibus de Nenê transportam em média 1,2 milhão de passageiros por dia.




Longe do Triângulo Mineiro e de alguns nichos do ramo, poucos já ouviram falar dele. Seu faturamento – 1 bilhão de reais no ano passado – seria mais que suficiente para franquear-lhe a entrada nas rodas de charuto da Fiesp e nos hangares onde a elite empresarial guarda seus jatinhos. Nenê não quer saber de nada disso. Típico "empresário de botinas", ninguém nunca o ouvirá pontificando sobre política econômica (assunto do qual não entende e não gosta), nem o verá envergando finos ternos pelos salões de Brasília, onde mora desde 1977. Aonde quer que vá, o rei da catraca só veste camisa branca e calça escura, espécie de uniforme que adotou há mais de vinte anos. Só come em restaurantes por quilo e tem como melhores amigos alguns de seus ex-motoristas e ex-cobradores. Quando vai ao Rio de Janeiro, faz a pé o percurso entre o Aeroporto Santos Dumont e o centro da cidade. Além de não ser enganado por taxistas espertalhões, acredita que assim despista eventuais meliantes – pode até haver quem queira vender o Pão de Açúcar ao mineiro desaprumado, mas quem pensaria em seqüestro?

Aos 69 anos de idade, Nenê Constantino prepara-se agora para alçar seu vôo mais alto. No início do ano que vem, lança a Gol Transportes Aéreos, empresa de vôos domésticos que, a exemplo das companhias americanas do tipo low cost, low fare (baixo custo, baixo preço), pretende praticar uma política de custos reduzidos, de forma a cobrar tarifas cerca de 30% mais baratas. A empresa começa a operar com quatro aviões e espera aumentar a frota para dez já no final de 2001. Quem acha que já ouviu uma história parecida antes, de empresário de ônibus que entra no ramo da aviação, não precisa tirar conclusões apressadas. Nenê não faz negócio precipitado, não gosta de perder e está estreando no transporte aéreo sem dívidas: são 20 milhões de reais do próprio bolso.



Poder de barganha – Desde que comprou o primeiro caminhão, em 1949, Nenê Constantino já olhava para muito além dos pára-brisas empoeirados. Seu espetacular tino para os negócios dispensa lastro acadêmico – o quarto de cinco irmãos, nem sequer concluiu o curso primário e não se envergonha em confessar que sempre foi pouquíssimo afeito à leitura (a mulher, Áurea, costuma dizer que se alguém estiver com raiva do marido, dê a ele um livro bem grosso para ler). A fortuna foi construída com trabalho, senso de oportunidade e largas doses de matreirice. Nenê é do tipo que não olha, espia. Quando quer fazer um negócio, nunca apresenta a oferta: espera calado o outro dar seu preço. Assim, sai com vantagem e amplia o poder de barganha. A tática foi testada em 1977, quando o empresário decidiu comprar a Viação Pioneira, já então uma pequena potência em Brasília, com uma frota de 238 ônibus de linhas urbanas. O dono era Shigueo Matsunaga, descendente de japoneses, geneticamente adaptado a não abrir o jogo. Contam amigos que os empresários – um querendo vender, outro querendo comprar – se reuniam por horas a fio sem que nenhuma das partes revelasse sua proposta. Tudo o que se via era uma interminável troca de sorrisos, embalada por diálogos extremamente vagos. "Pois é, seu Shigueo...", dizia o mineiro. "Pois é, seu Nenê...", respondia o japonês. Diz a lenda que foram necessárias mais de dez reuniões para que, afinal, a astúcia mineira vencesse a impassibilidade oriental. Matsunaga capitulou, Nenê levou a Pioneira e, em quinze anos, quintuplicou a frota da empresa. Foi a segunda grande arrancada de sua vida.

A primeira exigiu menos sutileza e mais suor. No final da década de 50, Nenê conseguiu um feito que muitos haviam tentado sem sucesso: estabeleceu a primeira linha de ônibus que, de fato, ligava Patrocínio a Belo Horizonte. Todos os seus antecessores haviam acabado vencidos, em poucos meses, pela precariedade da estrada. Puro buraco na época da seca, dissolvia-se como mingau no período das chuvas. Os carros chegavam a levar três dias para atingir o destino – quando não voltavam no meio do caminho. Nenê teimou. Ao único ônibus que tinha juntou mais dois, comprados a prazo. Lançou os carros na lama e fez com que seus motoristas (e, muitas vezes, ele próprio) seguissem para a capital aparelhados com pilhas de enxadas, machados e foices, além de cestos repletos de correias, molas e outras peças de reposição. Os motoristas partiam, técnica e moralmente, preparados para o pior – e assim acabavam chegando.




Trem voador – A linha deu origem à primeira empresa do grupo, a Expresso União, um dos maiores orgulhos do empresário, com 250 carros circulando por cinco Estados – Minas, São Paulo, Rio, Tocantins e Goiás, além do Distrito Federal. As cores da empresa, laranja, azul e branco, tiveram inspiração romântica e singela: os tons do uniforme que envergava na juventude a então normalista Áurea Caixeta, filha de rica família de fazendeiros em Patrocínio. Quando o caminhoneiro pobre, desengonçado e com fama de namorador começou a fazer a corte a Áurea, a mãe da menina caiu em desgosto. Tentou espantar o pretendente. Chamou Nenê em casa e, muito séria, fez-lhe um alerta, no mais puro mineirês. "Vou lhe confessar uma coisa: minha filha Áurea é muito custosa. A bem da verdade, ela é nervosa que só vendo. Se está querendo mesmo casar, fique sabendo que o risco é grande", intimidou. Astuto, o caminhoneiro ouviu tudo com cara de preocupação e, ao final, falou: "Entendi. Então, a senhora pode ficar sossegada que, de agora em diante, eu vou amansar ela". Dito isso, foi-se embora – dando o casamento por consentido. Da lua-de-mel, passada numa pensão em Aparecida do Norte, até hoje, vão-se 43 anos. O casal teve sete filhos, que ainda pedem a bênção do pai beijando-lhe a mão. Há cinco anos, Nenê repartiu entre eles boa parte de suas empresas. "De modo que eles podem aprender minhas idéias e eu posso ficar de olho neles", explica.

Hoje, quando o empresário visita sua cidade natal, formam-se filas na porta das empresas. Moradores levam queijos, agrados e pedidos para o benfeitor e celebridade maior da cidade. Pedem passagem, dinheiro, emprego. Nenê não desaponta ninguém. Não por atender a todos os pleitos, mas por dominar como só ele a arte de dizer não parecendo que está dizendo sim. Um dos primeiros motoristas da Expresso União, João Gonçalves do Amaral, o João Paçoquinha, conta um causo paradigmático. Certa ocasião, apertado por uma dívida, resolveu vender um sítio, mas na data do pagamento o comprador desapareceu. Aflito, recorreu ao ex-patrão. "Paçoquinha, você não vai acreditar no que eu vou lhe dizer", começou Nenê depois de ouvir o pedido. "Estou sem talão de cheque. Mas fique sossegado que não vou negar um favor a um amigo. Você vai ao banco, pede o dinheiro lá e, se não conseguir vender a propriedade em trinta dias, pára de pagar os juros e eu acerto com o gerente." Muito agradecido, o ex-motorista correu à agência, tomou o empréstimo, pagou as taxas de mercado e, como previa o empresário, vendeu o sítio em menos de quinze dias. Nenê manteve a fama de generoso sem desembolsar tostão.

No trabalho, o empresário é do tipo que almoça com os motoristas e chama os funcionários de "companheiros". Ao mesmo tempo, cobra dedicação fanática e, vez por outra, inventa formas de checar se está sendo atendido. Há dois anos, ligou na véspera do Natal para um de seus diretores em Brasília, perguntando se ele poderia estar na empresa no dia seguinte bem cedo. Acostumado com o ritmo de Nenê, que até o ano passado trabalhava aos sábados e domingos, o diretor disse que sim, estaria lá cedinho. Chegou antes das 6 e foi logo avisado pelo porteiro: "Seu Nenê está aí faz mais de uma hora esperando pelo senhor". O diretor entrou na sala e cumprimentou o chefe: "Diiia, Nenê!" Ao que o empresário respondeu: "Taarde, companheiro!" Deu dois tapinhas nas costas do diretor e foi-se embora. É esse estilo caipira que agora vai alçar vôo. Caipira adaptado aos tempos de negócios enxutos. Quando os Boeing de Nenê estiverem no ar, ele vai continuar com as botinas fincadas no chão e, grudado na filosofia de custos reduzidíssimos, não pretende servir um mísero pão de queijo a seus passageiros. A idéia é que esse trem voador seja barato, não chique. Sô.

 
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