Uma das quinze maiores empresas do mundo

Ao longo do Século XX, o petróleo se constituiu num tema sensível para os países desenvolvidos, tanto pelos interesses econômicos da indústria do petróleo, quanto pelo fato de que as economias norte-americana e européia dependiam, como dependem até hoje, de petróleo importado.

Um cartel conhecido como as "sete irmãs" dominou o mercado mundial do petróleo até os anos sessenta. Cinco dessas empresas eram norte-americanas, uma delas era uma empresa inglesa e a última uma empresa anglo-holandesa.

As empresas norte-americanas eram politicamente influentes. A família Rockefeller, por exemplo, controladora da Standard Oil, integrava a elite política norte-americana, sendo que um de seus membros mais conhecidos, o Governador de Nova York, Nelson Rockefeller, havia se tornado um ícone mundial dos partidários do regime da "livre iniciativa".

O petróleo motivava ações agressivas do Governo norte-americano. Uma operação coordenada pela Central de Inteligência Americana levou à derrubada do Primeiro-Ministro do Irã, Mossadegh, que havia nacionalizado a produção de petróleo naquele país do Oriente Médio.

O Brasil não era exportador de petróleo, mas mesmo assim, a política do petróleo era um tema sensível no relacionamento com os Estados Unidos. Os grandes interesses econômicos ligados à indústria do petróleo tentaram se opor à aprovação da lei de criação da Petrobrás e depois de sua aprovação esses mesmos interesses se movimentaram contra o projeto de desenvolvimento brasileiro que Getúlio e as forças políticas a ele ligadas representavam.

A QUESTÃO DO PETRÓLEO NO BRASIL

 

Antes mesmo de 1930, a questão do petróleo suscitava preocupação de lideranças políticas no Brasil. Em 1927, o Deputado Federal Ildefonso Simões Lopes, ex-ministro da Agricultura, apresentou um projeto de lei tornando a exploração de petróleo uma atividade privativa de cidadãos brasileiros, ao afirmar que "as jazidas de petróleo não podem pertencer a estrangeiros, nem ser por eles exploradas".(1)

O escritor Monteiro Lobato foi outro pioneiro da questão do petróleo no Brasil. Em 1931 ele organizou uma empresa, a Companhia Petróleos do Brasil, para a realização de prospecção e produção de petróleo. A empresa realizou perfurações em Alagoas, onde em 1933 conseguiu encontrar um pequeníssimo veio de petróleo.

Em 1937, Lobato escreveu O Poço do Visconde, uma de suas obras infantis. No livro, as famosas personagens do escritor paulista encontram petróleo no Brasil pela primeira vez.

O CONSELHO NACIONAL DO PETRÓLEO

 

Em 1938, durante o Estado Novo, o Estado Maior das Forças Armadas elaborou um documento levantando a necessidade de uma política para o petróleo e propondo o monopólio estatal. Após diversos debates sobre o tema no interior do governo, Getúlio Vargas publicou o Decreto-lei nº 395 de 29 de abril de 1938, criando o Conselho Nacional do Petróleo e restringindo a refinação a empresas formadas por brasileiros natos. Em 7 de julho de 1938 era publicado o Decreto-lei nº 366, que definia a estrutura do novo órgão. O primeiro presidente do Conselho Nacional do Petróleo foi o General Horta Barbosa, militar de posições nacionalistas, e favorável ao monopólio estatal do petróleo.

Em 7 de maio de 1941 o Decreto-lei 3236 determinou que as jazidas de petróleo e de gás passavam a pertencer à União.

O Conselho tinha uma função normativa, mas desempenhou também uma função industrial. Sua atividade em relação aos problemas de produção e refino de petróleo era muito dificultada por sua própria natureza administrativa. Um órgão da administração direta não era indicado para realizar tarefas relativas à pesquisa e produção de petróleo.

Além disso, os primeiros anos de atividade do Conselho foram limitados, pela extrema dificuldade de aquisição dos materiais necessários para os trabalhos de prospecção, produção e refino, tendo em vista a Segunda Guerra Mundial.

Apesar disso, foi na gestão do General Horta Barbosa que o petróleo jorrou no Brasil pela primeira vez, em Lobato, na Bahia, bem como foram iniciados os estudos para a construção da Refinaria de Mataripe, na Bahia.

Em setembro de 1943 o General Horta Barbosa deixava o Conselho Nacional do Petróleo, assumindo a presidência do órgão o Coronel João Carlos Barreto.

Na gestão de Barreto o Conselho mudou de posição, passando a defender a alteração da legislação para permitir a participação de capitais estrangeiros.

Em 1º de outubro de 1945 o Conselho adotou a Resolução nº 2.558 que permitia a instalação de refinarias por empresas privadas, utilizando-se de petróleo importado. Essa resolução foi publicada um dia após a queda de Getúlio.

O crescimento vertiginoso do consumo de derivados de petróleo exigia uma resposta do governo. Em 1932 o país consumia cerca de 12 mil barris por dia. Em 1938, apenas seis anos depois, o Brasil importava uma quantidade de petróleo mais de três vezes maior elevando-se a 38.000 barris de petróleo por dia. Em 1950, esse consumo havia se elevado para cerca de 100.000 barris de petróleo por dia.

A tímida resposta do governo Dutra foi a construção da Refinaria de Mataripe, com a capacidade de processar 5.000 barris de petróleo por dia. No entanto ela iniciou suas operações em 1950 processando apenas 2.500 barris por dia, correspondentes a ínfimos 2,5% do consumo diário do país. Em 1951 a Refinaria de Mataripe atingiu sua capacidade plena.

Por outro lado, em 1946 dois grupos privados venceram uma concorrência para a instalação de duas refinarias, com capacidade de processar 10.000 barris por dia, para serem instaladas em São Paulo e no Rio de Janeiro. No entanto, essas duas unidades só entraram em operação em 1954, oito anos mais tarde.

A primeira grande refinaria de petróleo instalada no país foi a de Cubatão, cuja capacidade deveria ser dez vezes maior do que a de Mataripe. Contudo, a Refinaria de Cubatão só entrou em funcionamento depois do segundo governo de Getúlio.


A CAMPANHA DO "PETRÓLEO É NOSSO"

 

No princípio de 1947, uma série de conferências realizadas no Clube Militar deflagrava um movimento contrário a abertura do mercado petrolífero ao capital estrangeiro e em favor do monopólio estatal. O General Juarez Távora inaugurou o ciclo de conferências, defendendo uma posição de abertura ao capital estrangeiro. Pouco tempo depois, o General Horta Barbosa defendia a solução do monopólio estatal.

A campanha em favor do controle nacional sobre o petróleo constituiu-se num dos movimentos de opinião pública mais vigorosos da história política brasileira e ficou conhecida por seu lema: "O petróleo é nosso".

A Constituição de 1946 havia permitido a participação do capital estrangeiro na atividade mineral, inclusive na atividade petrolífera. A única exigência era que a concessionária de uma área de pesquisa e lavra fosse uma empresa organizada no Brasil.

Em 1948, o Presidente Eurico Gaspar Dutra realizava uma política econômica liberal, de abertura ao capital estrangeiro, e contrária a toda orientação do primeiro período de Governo de Getúlio. Foi nesse momento que ele, indiferente ao movimento de opinião pública favorável ao monopólio estatal, enviou ao Congresso um projeto de lei de inspiração liberal, propondo uma nova política para o petróleo, projeto esse que ficou conhecido como o "Estatuto do Petróleo".

O projeto admitia a participação de capital estrangeiro até o limite de 40% do capital. A proposta desagradou a gregos e troianos: as multinacionais queriam uma situação análoga à da Venezuela, onde podiam controlar o capital das empresas e onde o prazo das concessões era de 40 anos, renováveis por mais vinte. Por outro lado, as forças nacionalistas não admitiam outra solução que não a do monopólio estatal do petróleo.



Em 21 de abril de 1948 uma cerimônia no Automóvel Clube do Rio de Janeiro marcava a reação das forças nacionalistas ao projeto do Estatuto do Petróleo, com a criação do Centro de Estudos e Defesa do Petróleo, uma entidade civil que reunia militares, civis, intelectuais, estudantes e profissionais liberais em torno da campanha do "petróleo é nosso". A presidência de honra da entidade coube ao ex-presidente Artur Bernardes e aos generais Horta Barbosa e José Pessoa.

A campanha pelo monopólio estatal do petróleo organizou-se por todo o território nacional, mobilizando principalmente os estudantes universitários, profissionais liberais e militares. Em São Paulo a campanha ganhou corpo em 12 de junho de 1948, com a posse da primeira diretoria do Centro Paulista de Estudo e Defesa do Petróleo.

A cerimônia teve início com a declamação por Alves de Almeida, do “Poema trágico do petróleo”, por ele escrito. O poema não deixava dúvidas de que a luta política pelo controle do petróleo brasileiro iria ferir interesses poderosos:


Petróleo é nave em mares de bravias ondas

Submarino traiçoeiro em covis abissais.

Avião veloz destruindo a vida dos casais

Tanques de guerra esmagando corações

E também não havia dúvida de que se tratava de uma batalha decisiva pelo desenvolvimento econômico:

Nos subsolos irmãos, quente mar petrolífero

Sente o perpassar rápido das ferro

Asculta o deslizar veloz nas rodovias

E o poeta encontrava ainda um meio de realizar o elogio da arma essencial de que se valeria o movimento de opinião pública que então tinha início:

Palavra! Dom divino da democracia

Que nos fornecem os fuzileiros celestes

(...) Arte da guerra dos povos civilizados

A cerimônia teve continuidade com o General Horta Barbosa assumindo a presidência dos trabalhos e pronunciamentos de vários oradores, como o presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, Rogê Ferreira, do Coronel Artur Carnaúba, do Vereador Cid Franco, do Professor Omar Catunda e outros.

As pressões militares e de opinião pública e a falta de adesão do próprio capital estrangeiro fizeram com que o projeto do Estatuto do Petróleo não prosperasse no Congresso.

Dessa forma, quando Getúlio Vargas iniciou seu segundo período de governo, o movimento de opinião pública havia preparado o terreno para o projeto de lei que viria a dar vida à Petrobrás.

Em 1951, Jesus Soares Pereira foi convidado a integrar a Assessoria Econômica da Presidência da República, órgão responsável pela elaboração de diversos projetos que marcaram o segundo governo Vargas, entre eles os projetos da Petrobrás e da Eletrobrás. Ele, que havia trabalhado no Conselho Nacional do Petróleo com o General Horta Barbosa, foi ele o principal responsável pela elaboração do projeto de lei que criava a Petrobrás.

No final do primeiro ano de seu segundo Governo, Vargas enviou ao Congresso o projeto de lei da criação da Petrobrás. Contudo, o projeto de lei enviado ao Congresso não previa o monopólio estatal.

Segundo Jesus Soares Pereira, a principal razão para que o projeto de lei se limitasse à criação de uma empresa dedicada à produção de petróleo era a convicção dos três assessores de Getúlio encarregados da elaboração do projeto, Rômulo de Almeida, chefe da Assessoria Econômica da Presidência, Neiva Figueiredo e ele mesmo, de que uma tentativa de alteração da Constituição de 1946 para conferir ao Estado o monopólio da exploração do petróleo se constituiria numa incerta e perigosa jornada política. As bancadas da UDN e do PSD eram majoritariamente conservadoras e favoráveis à participação de capitais privados na produção mineral como um todo. O PTB tinha uma pequena bancada e não teria como se contrapor a provável reação conservadora. Assim eles acreditavam ser mais conveniente evitar o conflito político.


Por essa razão, eles propuseram a Getúlio que o projeto fosse centrado na criação de uma empresa de economia mista, com controle estatal, e que fosse dedicada à pesquisa e produção de petróleo e derivados.

O projeto previa que 25% do imposto cobrado sobre o consumo de derivados de petróleo seriam vertidos para a nova empresa, além de outras fontes de recursos.

Na Câmara dos Deputados as reações contrárias a essa estratégia foram imediatas.O Deputado Federal Euzébio Rocha, do PTB, liderou uma reação parlamentar ao texto da mensagem.

Logo após o envio do projeto, em outubro de 1951, Euzébio Rocha procurou Getúlio e apresentou seu ponto de vista de que o projeto estava em contradição com as posições históricas de Getúlio favoráveis ao monopólio estatal. Getúlio determinou então que Rômulo de Almeida, Jesus Soares Pereira e Neiva Figueiredo, principais formuladores do projeto de lei, se reunissem com Rocha para examinar a questão em profundidade. Participaram também da reunião os generais Horta Barbosa e Leitão de Carvalho. Mas não houve acordo, tendo Rômulo de Almeida mantido sua posição, alegando inclusive que qualquer discriminação em favor do capital nacional seria inconstitucional.

Diante desse fato, Rocha decidiu apresentar um substitutivo e informou Getúlio de sua intenção, ao que Vargas responderia: "Quanto mais nacionalista for, mais corresponde aos meus desejos”.(4)

Para Euzébio Rocha, Getúlio permitiu que o projeto fosse enviado sem que o monopólio estatal estivesse proposto, para que o projeto não enfrentasse uma oposição acirrada de seus adversários políticos, o que aconteceria pelo simples fato de ser um projeto de sua iniciativa. Vargas teria agido deliberadamente, e "com genialidade mandando um projeto que não assustaria aos conservadores, para ser alterado na Câmara". (5)

E de fato, diante da pressão popular e militar em favor do controle nacional sobre o petróleo, e para surpresa de todos, a maioria da bancada da UDN na Câmara veio a adotar uma posição favorável ao monopólio estatal. O próprio presidente da sigla, Deputado Bilac Pinto, apresentou um projeto prevendo o monopólio estatal.

O substitutivo apresentado por Euzébio Rocha foi aprovado por unanimidade na Comissão de Segurança Nacional, inclusive pelos representantes da UDN, tornando-se uma alternativa à mensagem presidencial.

Tendo sido criado no Congresso um ambiente francamente favorável ao monopólio estatal do petróleo, Getúlio apoiou a emenda apresentada pelo Deputado Lúcio Bittencourt, vedando a participação de acionistas estrangeiros na nova empresa.

Aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto seguiu para o Senado onde sofreu diversas emendas que desfiguravam seu espírito e permitiam o controle da nova empresa por capitais privados.

O projeto retornou à Câmara em meados de 1953. A Câmara derrubou a maioria das emendas elaboradas pelo Senado, mas a redação final permitiu que as refinarias privadas existentes pudessem continuar a operar e permitiu a participação de capitais privados, inclusive do capital estrangeiro, na distribuição de derivados de petróleo.

Finalmente, em 21 de setembro de 1953, quase dois anos depois do projeto ter sido enviado ao Congresso, foi aprovada a Lei 2004 criando a Petróleo Brasileiro S/A Petrobrás, uma empresa de capital misto, com controle da União.

Poucos dias depois, na data simbólica de 3 de outubro, Getúlio sancionava a Lei 2004.

Alguns meses depois, em 10 de maio de 1954, a Petrobrás entrava em efetiva atividade. A empresa herdaria do Conselho Nacional do Petróleo campos de petróleo com capacidade de produção de 2.700 barris de petróleo por dia, além da Refinaria de Mataripe na Bahia, processando cerca de 2.500 barris por dia. A Refinaria de Cubatão, em São Paulo, estava em construção. A nova empresa contava ainda com vinte navios petroleiros com capacidade de 221 mil toneladas.

Jesus Soares Pereira lembra que já na fase aguda da crise política de agosto de 1954, relatou a Getúlio as providências adotadas pela diretoria da Petrobrás para que fossem iniciadas de imediato as perfurações submarinas, na baía de Todos os Santos.Diz ele: "comuniquei-lhe o que sabia a respeito dessas providências no último despacho para o qual me convocou, em 22 de agosto. Na madrugada de 24, do mesmo mês, o presidente era deposto e punha fim à própria vida".


Até o último momento de sua existência, Getúlio Vargas se interessou pela atividade e pela sorte da empresa que criara.


50 anos depois de sua criação, a Petrobrás é a maior empresa brasileira e uma das quinze maiores empresas do mundo. Ela pesquisa, produz, refina, comercializa e transporta petróleo, produtos petroquímicos e gás natural, além de distribuir derivados de petróleo.

Em 2003, a Petrobrás atingiu a uma receita líquida da ordem de R$ 95 bilhões, mais de US$ 30 bilhões e realizou investimentos da ordem de R$ 18 bilhões. Ela produziu 1,7 milhão de barris de petróleo por dia, além de 53 milhões de metros cúbicos de gás.

Seus ativos incluem reservas da ordem de 11 bilhões de barris de petróleo e gás, 15.834 poços, 16 refinarias que processam 1,7 milhão de barris por dia, além de cinco fábricas de fertilizantes que produzem 2.141 toneladas métricas de amônia e 2.437 toneladas métricas de uréia, 27 mil km de dutos e cinco mil postos de gasolina.

A Petrobrás pesquisou e encontrou petróleo em alto mar e hoje possui quais 838 poços marítimos. Para extrair petróleo no oceano, ela desenvolveu a mais avançada tecnologia do mundo para exploração de petróleo em águas profundas.

A Petrobrás é hoje uma empresa de capital aberto, contando com mais de 131.000 acionistas. O controle de capital, contudo, permanece nas mãos da União Federal, que detém 55,7% do capital votante e 32,2% do capital social.

O próprio Getúlio Vargas não poderia imaginar quão longe iria chegar a empresa que ele criara.

 
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